Armas Químicas

Armas Químicas

História

Às 17h do dia 22 de abril de 1915, durante a I Guerra Mundial, as tropas alemãs na cidade de Ypres, na França, descarregaram 180.000 kg de cloro gasoso contidos em 5.730 cilindros na região de Steenstraat no canal de Yser e Poelcappelle. A nuvem de gás deslocou-se com o vento, matando ou causando a fuga das tropas francesas e argelinas nas trincheiras, abrindo uma abertura de 8 a 9 quilômetros na linha aliada. Em 24 de abril de 1915, os alemães realizaram um segundo ataque em Ypres, desta vez contra as tropas canadenses.

Houve quase 200 ataques químicos durante a I guerra mundial usando-se gás lançado dos cilindros. No maior destes ataques ocorrido em outubro 1915, os alemães liberaram 550 toneladas do cloro de 25.000 cilindros em Rhiems!  

O chefe do serviço de guerra química alemã durante a I guerra mundial, o Prof. Fritz Haber (já apresentado aos leitores do QMCWEB na matéria "O século da química), dirigiu pessoalmente o primeiro ataque com gás cloro. Quatro anos mais tarde, em 1918, ganhou o prêmio Nobel em química por sua descoberta de um processo para sintetizar amônia pela combinação de nitrogênio e hidrogênio. Haber é freqüentemente referido como o pai da guerra química."

O primeiro ataque com gás cloro representou meramente o início formal do uso de produtos químicos irritantes. Entretanto, o uso de fumaças irritantes, por exemplo, de enxofre ardente, contra fortificações inimigas, data da antiguidade. As variações na intensidade e direção do vento e do clima e a falta de tecnologia química moderna serviram como limitações eficazes no emprego de produtos químicos nas guerras antes de 1914.

Enquanto a guerra continuou, muitos compostos tóxicos além do cloro foram testados para a utilização como agentes químicos da guerra:

  • Bromo
  • Cloreto de triclorometilsulfurila
  • Fosgênio (CG)
  • Cloroformiato de triclorometila (DP)
  • Cloroformiato de monoclorometila
  • Cianeto de hidrogênio (AC)
  • Sulfeto de hidrogênio
  • Tricloronitrometano (PS)
  • Brometo de cianogênio
  • Cloreto de cianogênio (CK)
  • Dicloro de fenilcarbamina
  • Éter diclorometílico
  • Éter dibromometílico
  • Cianoformiato de metila
  • Cianoformiato de etila
  • Cloreto de metanossulfonila
  • Cloreto de etanossulfonila
  • Etildicloroarsênio
  • Metildicloroarsênio
  • Etildibromoarsênio
  • Sulfeto de dicloroetila (HS, gás mostarda)

Destes agentes químicos de guerra testados, cloro, fosgênio, cloroformiato de triclorometila, tricloronitrometano, cianeto de hidrogênio, cloreto de cianogênio e gás mostarda foram produzidos (pela Alemanha, França, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Áustria, Itália e Rússia) e usados em grandes quantidades, chegando a atingir a quantidade total de 189.195 toneladas.  

Agentes nervosos

A partir da I guerra mundial, foram desenvolvidos os agentes nervosos, que são agentes químicos de guerra ainda mais letais que os supracitados. Estes compostos químicos receberam esta denominação porque afetam o sistema nervoso. Dentre as principais experiências envolvendo estes agentes químicos, destacam-se os estudos dos agentes nervosos tipo-G realizados na Alemanha do final da década de 30. O primeiro a ser preparado foi o Tabun (GA), pelo Dr. Gerhard Schrader do laboratório I. G. Farbenindustrie em Leverkusen, Alemanha. Schrader era encarregado de um programa para desenvolver novos tipos de inseticidas. Em 1938, um segundo potente agente nervoso organofosforado foi descoberto, o Sarin (GB).

Na década de 50, diversas companhias químicas e outros cientistas trabalhando independentemente descobriram uma classe de ésteres organofosforados altamente letais, agentes nervosos ainda mais tóxicos e persistentes que os do tipo-G, que foram classificados como agentes nervosos tipo-V. Dentre eles pode-se citar o VXe a sua versão russa, o Russian-VX ou R-VX.

 

 

 A maioria destes agentes nervosos, para o nosso desconforto, possui estrutura similar àquelas dos compostos utilizados como pesticidas:

 

Estes compostos organofosforados inibem a ação de diversas enzimas, principalmente aacetilcolinesterase, enzima que controla a hidrólise da acetilcolina, um importante neurotransmissor (Figura 1). Assim, na ausência da acetilcolinesterase, a acetilcolina liberada acumula e evita a transmissão suave dos impulsos nervosos através da fenda sináptica da junção nervosa, provocando um colapso no sistema nervoso central (Figura 2). Os sintomas são: angústia, depreciação mental, perda da coordenação muscular, convulsões e a morte em situação extrema. Com apenas uma gota na pele, o agente nervoso VX pode matar um ser humano em poucos minutos.

 

Assim, a detoxificação do VX requer uma química diferente. Uma alternativa é o uso de peroxiácidos, que oxidam o átomo de enxofre e promovem uma rápida clivagem da ligação P-O. Por exemplo, o íon peroximonossulfato (HSO5-), utilizado numa mistura conhecida como oxone (2KHSO5.KHSO4.K2SO4), é especialmente útil. Isto porque protege o grupo amino da oxidação, devido à protonação, e também porque o VX protonado é bastante solúvel em água. Contudo, o oxone tem uma alta massa molecular, baixa solubilidade e é caro. O íon hipoclorito também destrói o VX, mas esta reação é inviável porque o oxidante é desperdiçado ao reagir com o grupo amino. Um outro aspecto importante é que em geral estes oxidantes têm um tempo de meia-vida curto. Uma estratégia alternativa consiste no uso de nucleófilos mais estáveis que produzam clivagem quantitativa da ligação P-O.

FONTE: qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/colaboracoes/armas_quimicas.html

 

 

 

Dois agentes nervosos tipo-V encontram-se hoje estocados em larga escala: o VX, com milhares de toneladas nos Estados Unidos da América (Figura 3) e o R-VX na Rússia.

Em 13 de janeiro de 1993 170 países, entre os quais o Brasil, assinaram em Paris a Convenção Internacional Mundial sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas (CPAQ). Este tratado entrou em vigor no dia 29 de abril de 1997. O texto da Convenção, além de proibir o desenvolvimento, a produção, a estocagem e o emprego das armas químicas, estabelece um prazo de 10 anos para que os países detentores de tais armas procedam a sua destruição. Tal acordo fez crescer, nesta última década, o interesse na química destes compostos e em sua detoxificação (entenda-se detoxificar como retirar o caráter tóxico de um composto). Diferentes métodos de detoxificação têm sido empregados ao longo dos anos, mas nenhum com total eficiência que permita produzir resíduos sem efeitos adversos para o meio ambiente.


Detoxificação química

No ano de 1982, foi adotada a incineração como método preferido para a destruição dos estoques norte-americanos (Figura 4). Contudo, o grande problema deste processo é que ele produz gases tóxicos e corrosivos, levando à necessidade de filtrá-los e purificá-los, com um custo bastante elevado para um processo em larga escala.

Assim, tecnologias alternativas, incluindo-se aneutralização química, estão sendo também empregadas em determinados locais de estocagem, em resposta à preocupação pública e às recomendações do Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos.

Embora muitas reações químicas possam ser empregadas para detoxificar agentes químicos de guerra, somente algumas, na prática, podem ser utilizadas em uma neutralização, porque estas reações precisam ser simples e os reagentes empregados devem ser estáveis, baratos e de baixa massa molecular. 
substituição nucleofílica e a oxidação são as duas reações químicas preferidas para uma detoxificação sob condições brandas dos agentes tóxicos. Um método bastante efetivo para detoxificar pequenas quantidades destes compostos tóxicos em superfícies contaminadas ou contêineres consiste no uso de uma solução líquida contendo um excesso de reagentes para converter rapidamente, e à temperatura ambiente, os compostos em produtos significativamente menos tóxicos. Como um exemplo, o sarin reage rapidamente com HO- à temperatura ambiente numa solução básica, para formar os produtos não tóxicos, F- e o isopropil metilfosfonato de sódio (Esquema 1). Entretanto, este procedimento não é efetivo com todos os agentes. O VX, por exemplo, tem limitada solubilidade em meio básico, reagindo lentamente com o íon hidróxido (t1/2 = 31 min com NaOH 0,1M a 22 oC) e ainda produzindo um subproduto estável e altamente tóxico, o ácido tióico (Esquema 1).

  

Assim, a detoxificação do VX requer uma química diferente. Uma alternativa é o uso de peroxiácidos, que oxidam o átomo de enxofre e promovem uma rápida clivagem da ligação P-O. Por exemplo, o íon peroximonossulfato (HSO5-), utilizado numa mistura conhecida como oxone (2KHSO5.KHSO4.K2SO4), é especialmente útil. Isto porque protege o grupo amino da oxidação, devido à protonação, e também porque o VX protonado é bastante solúvel em água. Contudo, o oxone tem uma alta massa molecular, baixa solubilidade e é caro. O íon hipoclorito também destrói o VX, mas esta reação é inviável porque o oxidante é desperdiçado ao reagir com o grupo amino. Um outro aspecto importante é que em geral estes oxidantes têm um tempo de meia-vida curto. Uma estratégia alternativa consiste no uso de nucleófilos mais estáveis que produzam clivagem quantitativa da ligação P-O.

Por causa da sua alta toxidade, experimentos com VX ou R-VX somente podem ser realizados em um limitado número de laboratórios, aprovados para manipulação de agentes químicos de guerra. No entanto, informações significativas têm sido obtidas utilizando-sereações-modelo que tentam mimetizar as reações dos agentes químicos a partir do estudo com compostos de similar estrutura, mas não tóxicos. Apesar destas relevantes informações obtidas nos últimos anos, a busca de métodos mais eficazes para a degradação de fosfatos de alta toxidade ainda permanece.

 

Fonte: qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/colaboracoes/armas_quimicas.html